sábado, 29 de dezembro de 2012

Eu amo minha cicatriz!

Hoje o dia tá produtivo no sentido redacional, porque estou tendo um momento solteira e sem filhos, curtindo a solidão lendo os livros que estavam aguardando um momento só pra eles, escrevendo coisas que há tempos queriam ser postas em palavras.

Vou aproveitar então para dedicar alguns minutos à minha amada cicatriz!

Aquela fruto de uma cesárea indesejada, desrespeitosa, mas que trouxe minha filha para meus braços!
Ela foi a porta de entrada da Beatriz ao mundo. Foi responsável pela minha mudança como mulher e ativista,
Hoje eu amo minha cicatriz, honro minha marca. Mas isso é bem recente.
Há poucos dias eu participei de um encontro de mulheres, uma chanupa, que é um ritual indígena bem simples, cuja ação principal é o compartilhar experiências, saberes, sentimentos. Cada mulher tem sua vez para falar e embora a gente fique matutando o que dizer enquanto a outra fala, na nossa vez é o coração quem manda.
E como não podia ser diferente, quando minha vez chegou eu despejei minhas angústias e todo meu sentimento vivido até aquele momento.
A frustração por ter tido que interromper um trabalho lindo pela falta de honestidade dos outros e ingenuidade nossa; o pedido de atenção escancarado na pneumonia da Beatriz e um internamento com direito à antibiótico na veia; a baita falta de respeito pela nossa família e nossas crenças e uma denúncia ao conselho tutelar por falta de cuidado infantil; o consequente rompimento com uma parte da família; e claro, a explosão de hormônios do início de gestação que, embora tenha sido muito querida e festejada, aconteceu num momento de turbilhão em nossa vida.

Bem, e junto de tudo isso, um medo absurdo de uma ruptura uterina. Não tem explicação tamanho medo que eu estava sentindo, era algo forte que não me saía da cabeça ao mesmo tempo que eu me sentia forte e confiante para meu parto. Um misto de sensações que me deixou muito assustada.

Voltei a frequentar as aulas de yoga e preparação para o parto ativo, com a maravilhosa doula Talia, e com ela, por me sentir bem à vontade, pude abrir meu coração. Foi ótimo. Numa das aulas eu estava sozinha com ela e ela pode me dar toda atenção e fazer tudo pensando no que eu havia falado. Me marcou muito quando ela disse "olha pra tua cicatriz e vê uma marca, uma característica do teu útero. Essa é a marca da tua história. Ela não é um problema. É uma característica e faz parte de ti!" Bateu fundo no meu coração e me tranquilizou. Pensei nessas palavras por muito dias, até a chanupa, quando o entendimento chegou.

Depois de ter falado e ouvido muitas história de mulheres guerreiras, ouvi novamente sobre as marcas do corpo. A Zankara, que comandou o encontro, falou das marcas do seu corpo ao seu segundo marido. Disse a ele que aquelas marcas eram ela, eram resultado de uma vida de entrega, da amamentação de três filhos, e disse que se ele a quisesse seria daquela maneira.

O sagrado de nosso corpo está em quem nós somos em essência, e não em nosso corpo físico.

Logo depois, a Ana, coordenadora do espaço que ofereceu o encontro, leu um trecho do livro "Mulheres que correm com os lobos", de Clarissa Pinkola Estés, que falava sobre as formas dos corpos das mulheres, o quão sedutores poderiam ser as ancas carnudas, o quão sagrado são os peitos de quem amamenta, o quão confortantes poderiam ser as varizes de uma perna cheia.

Nesse momento eu já estava chorando há muito tempo, pois várias compreensões vieram ao meu coração. Eu pude nomear meu medo e oferecê-lo ao fogo para que curasse minhas dores e minhas angústias (no início do encontro foi pedido para que escrevêssemos num papel tudo aquilo que queríamos manda embora e eu, obviamente, escrevi que era o medo de uma nova cesárea).

Entendi finalmente que meu medo não era de uma ruptura uterina, até porquê as cifras mostram a baixíssima chance disso acontecer e eu conheço vários casos bem felizes de partos normais após cesáreas. No fundo eu não conseguia aceitar esta cesárea que já é minha, a minha cicatriz. Eu não a via como algo meu, era algo que simbolizava que deu errado, que me oferecia perigo, que estava contra mim, que era um problema e podia me prejudicar.
Naquele momento senti uma enorme gratidão e senti um acalento muito grande, pois pude ter a chance de passar a honrar minha marca, de vê-la como parte de mim.

O medo simplesmente se desfez com o fogo.

Confio em meu corpo. Sei que ele é perfeito. Sei do poder que tenho, sei da força do meu feminino.
Irei parir meu filho!

Eu, daqui 6 meses, em casa!

2 comentários:

  1. Oi Niti, parabéns! Fico feliz de saber que você está realizando mais um sonho! Seus filhos serão seres humanos maravilhosos! Beijos, Rafa

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