terça-feira, 29 de maio de 2012

Compartilhando: Acolhendo (a mãe e) o bebê


Por Tatiana Favaro Lima

Fonte: Arquivo Pessoal
A leitura do capítulo "Recém-nascido" do livro Guia da grávida informada e consciente me fez lembrar das histórias contadas por minha avó de seus partos e puerpérios. Minha avó era uma pessoa que mantinha com muito fervor as tradições relacionadas ao nascimento e a morte. Lembro-me dela falando do zelo que se tinha com a mãe e com o bebê recém nascido. Lembro-me que chegávamos a rir do excesso de zelo, tradições bobas e sem sentido. Será? Desde que pari a primeira vez minha avó me parece muito mais sábia do que pensava...

Lembro-me dela falando que na primeira semana de pós-parto, mãe e filho eram preservados em repouso e isolamento. Sem visita nem dos familiares mais íntimos. Só entravam no quarto a parteira e/ou uma mulher mais velha da comunidade para cuidar da higiene e alimentação da mãe.

Hoje penso como seria bom termos direito a este isolamento. Seria mais fácil resolver os problemas de amamentação sem público, sem visitas, sem ter que se preocupar com afazeres domésticos, sem ter que conversar ou dar atenção a outras pessoas... somente a mãe e o bebê... imersos nas suas emoções e no seu processo de apaixonamento.
Nas semanas seguintes as pessoas da casa iam tendo acesso a mãe e ao bebê em horários bem restritos. A mulher permanecia de repouso por mais uns 30 dias, para garantir boa cicatrização/recuperação do parto e descanso suficiente para que pudesse cuidar do bebê com prazer e disposição. 
Como esses bebês deviam ser mais felizes, pois por pelo menos 40 dias esta mãe ficava dedicando-se exclusivamente a este filho. Para isso, a mãe era assistida por outra mulheres (familiares próximas e vizinhas). Essas mulheres não vinham visitar a puérpera, pelo que entendo das histórias contadas pela minha avó. As mulheres daquela comunidade automaticamente se organizavam e se revezavam para apoiar a puérpera. E isso me lembro de ter presenciado a até pouco tempo atrás... logo que chegava a notícia de um nascimento, minha avó já se punha a cozinhar uma canja ou sovar um pão para levar para aquela casa. Ela dizia que ia “visitar”, mas esta visita era muito diferente das nossas visitas de hoje. Ela ia de braços abertos para ajudar... lavava louça, varia casa, levava algum alimento, dava banho nos filhos mais velhos... Tão diferentes das visitas de hoje que levam presentes e esperam encontrar mesa posta, casa decorada, mãe disponível e sorrindo. Chegam querem pegar o bebê no colo, conversar em seu tom de voz normal, comem, sujam e vão embora, muitas vezes tarde da noite. Se a mãe põe limites nas visitas é logo taxada de fresca e logo começam os palpites de que “o bebê tem que se acostumar com barulhos”, sem contar os palpites sobre amamentação, sobre o parto, sobre os cuidados com o bebê. Tudo isso a meu ver interfere no processo de imersão que esta mãe necessita durante o puerpério. 
Mas muitas vezes a própria puérpera não se permiti assumir que precisa desta imersão, que o que ela quer naquele momento é ficar com o bebê e somente com ele. Afinal, seria mesmo frescura? Como enfrentar familiares e amigos? Como ir contra a corrente, neste período de tantas dúvidas e fragilidades. 
Acho que a mulher realmente tem que estar muito segura de si e preparada (informada) para enfrentar e impor suas necessidades e defender as necessidades de seu bebê. Além disso, a presença do pai consciente também é muito importante, pois ele sim, nos dias de hoje, tem o papel de proteger o puerpério, já que não contamos mais com aquela rede de apoio das antigas comunidades femininas. 
Vejo um paradoxo de isolamentos das famílias modernas, onde estamos expostos nos momentos em que deveríamos estar recolhidos, porém permanecemos isolados do verdadeiro contato comunitário. As pessoas sequer se sentem dignas de receber ajuda. Imagino como é visto com estranheza uma vizinha bater a porta de uma puérpera e lavar a louça e ir embora. Ou levar um cozido e não entrar para ver o bebê. Ao contrário, visitamos, levamos presentes caros e não ajudamos em nada. Nem nos permitimos pedir ajuda, quando necessário.
Sobre outro aspecto fiquei analisando como em outras vezes as famílias ficam ansiosas receber visitas e/ou sair de casa com os bebês. As mulheres hoje geralmente possuem rotinas exaustivas de trabalho, vida social intensa, e estranham a calmaria, o silêncio e o isolamento do puerpério. Muitas vezes são as mulheres que não conseguem suportar o silêncio do puerpério, pois neste silêncio, além do contato com o bebê surgem milhões de questões íntimas. E será que esta mãe está preparada para enfrentar este encontro tão profundo com seu filho e sua feminilidade mais profunda? Não seria mais fácil sair, andar, correr, trabalhar? A maioria dos relatos que encontro de puérperas é: “eu sempre trabalhei tanto, achei que ia ser moleza cuidar de um bebê...” Mas geralmente elas se surpreendem e muitas vezes não dão conta de manter este período de intimidade. E fogem... para os shoppings, para os parques, para as academias, para o trabalho... Muitas vezes com bebê no colo, ou no carrinho... expondo aquele ser sensível a um ritmo frenético, totalmente fora do seu ritmo. E muitas vezes eles realmente não reclamam, não naquela hora... não naquele dia... não da maneira que se espera. E com isso essas mulheres “pulam” o puerpério e perdem a oportunidade única de imersão e encontro, com seu bebê e consigo mesma.
Ainda sobre o texto gostei muito da forma como é exposta a visão do bebê sobre este período inicial da vida. Ressalto os pontos que achei mais interessantes:
“Ele é o vazio da ausência do corpo a corpo”
“Ele se vê mergulhado em uma avalanche de estímulos sensoriais”
“Nosso corpo é seu berço primário, seu principal porto seguro.”
“Um bebê precisa, primeiramente, receber o toque amoroso, o contato pele-a-pele.”
“Seu primeiros dias respirando pelos pulmões. Está limpo o ar que ele respira?”
“Tudo deve ser bem delicado, respeitando seus tempos, sua pequenês, suas necessidades.”
“Permitimo-lhe esse luxo: sono tranquilo, silencioso e no escuro”
“Como então oportunizar ao bebê seu rítmo? Prestando-lhe atenção.”
“Uma pessoa que é sujeito é encarada com atenção e consideração, com aquele interesse que temos por algo que nos fascina e desperta o nosso respeito.”
“As crianças, por estarem de alma nua e totalmente sincera, percebem na hora o fingimento, a rigidez, o distanciamento emocional. E sofrem.”
“...a única forma disso acontecer plenamente é conversando com ele”
“É preciso pressupor que nosso bebê seja inteligente, presente e receptivo.”
“Os erros devem ser apontados e trabalhados, mas não podem sabotar a auto-estima da criança.”
“Use todas as palavras que conhece,...”
“...crie sons para as emoções e as caretas.”
“Cante para seu bebê.”
“Embale-o em sua voz e envolva-o numa dança, para que ele descubra rítmos musicais e movimentos harmônicos.”
“Faça com ele o lhe agradar mais, pois sua felicidade será transmitida e ele fará experiência de emoções positivas que o incentivarão a crescer e se fortalecer. Sua alegria é a dele também.”
“Uma mãe bem disposta é a chave para um filho tranquilo.”
“Extendendo a gestação, dar o peito é um ato de amor e doação dos mais elevados.”
“É um tempo precioso que não deveria nunca ser perturbado, interrompido ou invadido. A mamada é um espaço e um tempo sagrados para serem escrupolosamente respeitados.”
“O banho é mais um momento lúdico do que de limpeza.”
“Nunca deixá-lo pegar friagem. É importante que pés e cabeças estejam sempre protegidos de ventos e frio”
“Deixem que tenha ar para respirar e que também possa abrir os olhos e enxergar um pedaço de mundo e não o protetor de berço!”
“Festejemos, então, sem aflição e em serenidade.”
“Com um recém-nascido deveríamos despir nossas roupas convencionais, esquecer as modas e a etiqueta, e colocarmo-nos de alma nua em relação com outra alma nua que acabou de descer sobre este planeta.”

Tatiana Favaro Lima é professora de ciência da computação e aluna do curso de formação de Doula Pós-Parto da Ong Amigas do Parto.

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